A primeira lição é que a câmera fotográfica é só uma caixa com um orifício onde entra a luz e que o item mais importante são os nossos olhos. Você pode gastar uma pequena fortuna na última câmera topo de linha da Leica que isso não vai garantir o primeiro lugar no concurso de Fotografia. Então, dizer que “essa câmera é muito boa” não é a melhor forma de elogiar o trabalho de um fotógrafo. Na verdade, poucas coisas nos deixam tão ofendidos.
Primeiro você domina a técnica. Ninguém aprende a fotografar no modo automático. Se a luz está para a Fotografia como a água está para o peixe, você precisa dominar a entrada da luz na caixa mágica. Para fazer a fotografia que você quer: quanta luz deve entrar? Por quanto tempo? Qual deve ser a sensibilidade do sensor fotográfico? E você domina toda a técnica para descobrir que grandes fotos podem ser feitas em smartphones. Depois, você conhece todas as regras e elementos da composição de uma fotografia, para descobrir que às vezes grandes fotografias quebram todas as regras de composição. Mas é no conhecer da técnica que você descobre novas paisagens e novos mundos através da Fotografia e aquele casal que agendou uma sessão fotográfica ou a gestante que sonha com o book para a posteridade não vão querer grandes fotografias, mas boas fotografias que expressem o que estão vivendo ou sentindo.
Em 1839, começou a ser comercializado ao público o primeiro processo fotográfico – o daguerreótipo. A imagem era fixada numa placa de cobre banhada a prata, era um processo lento (já pensou porque os primeiros retratos são de pessoas mortas e porque há tantos “fantasmas” em fotos antigas?) e o público que tinha acesso era bem restrito. Pouco mais de um século depois, em 1943, a Fotografia chega à vida dos trabalhadores brasileiros. Com a Consolidação das Leis Trabalhistas e a criação da Carteira de Trabalho, milhares de brasileiros tem direito ao seu primeiro retrato. Hoje, a grande maioria dos celulares comercializados têm câmera fotográfica incorporada e fazer retratos – as chamadas selfies – é muito comum. Você pode fazer mais de sessenta selfies por minuto e ter um retrato diferente todos os dias.
A fotografia – sobretudo a produção de retrato – é dominante e está muito relacionada à construção de identidades. Você faz selfies sozinho, com seus amigos, na escola, no trabalho, nas férias, entre outros. Você faz isso, provavelmente, num celular com pouca qualidade e resolução, porque o acesso à Tecnologia não é um direito social. Então, a maioria dos jovens que frequentam as oficinas de Fotografia do Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA) já têm acesso à Fotografia no seu dia-a-dia, mas passam a ter também acesso a câmeras profissionais com sistemas mais complexos que, sobretudo, nos permitem alargar horizontes e possibilidades.
A partir do momento em que os jovens dominam as opções e botões daquela caixa preta que fixa uma imagem feita pela luz o desafio é trabalhar a percepção visual, entender que para a fotografia ficar legal eu não posso ter medo de chegar perto e de usar o meu corpo e perceber que às vezes é melhor errar todos os valores de abertura e tempo de exposição e pegar o momento decisivo da fotografia do que o contrário. Enquanto educadora, o maior desafio é pensar em formas de dar asas à imaginação destes jovens. A luz também surge na nossa frente quando nos damos conta de que nem todas as imagens precisam ser o que parecem e que um dos fatores mais interessantes e atraentes da Fotografia é, justamente, abrir uma imagem a diversas interpretações.
Quando perguntei a diferentes jovens o que significava a Fotografia, disseram que esta permite mostrar mais sobre o lugar onde moram, pegar o melhor das pessoas e libertar sentimentos presos. Quando perguntei o que sentiam ao fotografar, li a palavra “orgulho” e que a cada foto tirada vem a vontade de tirar a seguinte. No nosso fazer dentro da instituição, trabalhando com os jovens, o primeiro grande objetivo é que eles sejam protagonistas. Protagonistas no momento de escolher as atividades em que querem participar, protagonistas no desenvolvimento de diferentes projetos, protagonistas das suas próprias histórias. Se fotografar é enquadrar fragmentos da realidade, ao olhar as fotos dos jovens – que fazemos muita questão de divulgar sempre que temos oportunidade – você se encontra no mesmo lugar que eles.
Quando um jovem da Lomba do Pinheiro e da Aprendizagem Profissional, que recentemente conseguiu um emprego e que passou pela oficina de Fotografia e o Curso de Produção Audiovisual do CPCA, a partir das suas economias compra a sua primeira câmera profissional e vê ali uma possibilidade de gerar renda fazendo o que gosta, vejo todo o potencial do nosso trabalho.
Ana Sofia Costa
Educadora do CPCA